Futebol e Política: Sempre misturados
Em 1958, a conquista da Copa da Suécia por Pelé, Garrincha e companhia eliminou nos brasileiros o “complexo de vira-lata” e envolveu o Governo Kubitschek numa aura de euforia e entusiasmo, permitindo a conclusão da polêmica construção de Brasília.
Esse clima de otimismo prosseguiria com o bicampeonato de 1962, estimulando o presidente Goulart a realizar as reformas de base que acabariam por desencadear o golpe militar de 1964. Em 1966, o vexame da eliminação na primeira fase da Copa da Inglaterra criaria um clima de descontentamento com a ditadura e resultaria no endurecimento do regime, com o AI-5 e a supressão das liberdades individuais e políticas e o assassinato de opositores.
Em junho de 1970, o grupo de guerrilheiros que havia sequestrado no Rio de Janeiro o embaixador da Alemanha, Ehrenfried Von Holleben, apesar da rígida disciplina para manter a guarda do prisioneiro, começou a se desentender por causa de futebol. Vários deles não conseguiam deixar de assistir e torcer para o Brasil na Copa do México. Os líderes da esquerda, por sua vez, torciam para um fracasso brasileiro, porque sabiam que a ditadura brasileira sairia fortalecida com uma vitória na Copa, o que de fato aconteceu.
Desde sempre, os governantes de países do Terceiro Mundo se beneficiaram das vitórias no futebol. Assim aconteceu com a ditadura iniciada em 1976 pelo general argentino Jorge Rafael Videla, cujo apoio popular cresceu após a conquista da Copa de 1978, realizada na Argentina. Em 2002, o sucesso da Seleção Brasileira contra a Alemanha na Copa certamente beneficiou a candidatura de Lula, como o fracasso de 2014 e o fragoroso vexame dos 7×1 foram creditados à presidente Dilma, que por um triz não perdeu a eleição, mas logo em seguida perdeu o mandato.
Outra constatação da promiscuidade que sempre existiu entre futebol e política está na escolha de jogadores de sucesso para cargos políticos. O ex-goleiro do Clube Atlético Mineiro, João Leite, está em seu sexto mandato consecutivo de deputado estadual, e foi candidato a prefeito de Belo Horizonte, perdendo no segundo turno para outro futebolista, o ex-presidente do mesmo clube, Alexandre Kalil.
Desde a fundação de Belo Horizonte, os prefeitos eram membros da elite cultural ou econômica. Essa tradição foi rompida em 1962, com a eleição de Jorge Carone Filho, ex-goleiro do Botafogo do Rio, que governou a cidade até ser cassado pela ditadura em 1965. Quando deputado estadual, Carone foi autor da lei que autorizou a construção do Mineirão. Cassado, elegeu sua esposa Nysia deputada federal, seu filho Jorge Orlando deputado estadual e outro filho, Antônio Carlos, vereador em Belo Horizonte. Por sinal, esse último era jogador de basquete. Um de seus colegas na Câmara Municipal era Wilson Piazza, zagueiro do Cruzeiro e da Seleção.
Sem nenhum talento para a política, cumpriram mandatos apagados de deputado estadual outros dois atleticanos que brilharam nos gramados: Reinaldo e Marques. Muito abaixo deles, e para horror das elites do Triângulo, os eleitores de Araguari sentaram na cadeira de prefeito, na década de 1980, um lateral-esquerdo de time de várzea, Vanderlei Inácio, apelidado Mãe Preta, que cometeu uma série de desatinos no exercício do mandato.
Exemplos marcantes de chutadores de bola que se tornaram políticos se multiplicam no país. O artilheiro Romário foi deputado federal e tornou-se senador. Na eleição para deputado federal, fez dobradinha com o atacante Bebeto, com quem fazia tabelinha em campo, e ambos saíram vitoriosos na eleição, como na Copa de 1994. O ídolo Arthur Nunes Coimbra, o Zico, foi secretário federal de Esportes. O próprio Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, foi ministro no recém-criado Ministério Extraordinário dos Esportes. Os exemplos não estão apenas no Brasil. O atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, foi presidente do Boca Juniors. Até o papa Francisco já declarou sua paixão terrena pelo San Lorenzo, um time medíocre de seu país. O ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, da Itália, foi proprietário do Milan e hoje é seu presidente.
A atual seleção, caso consiga conquistar o hexacampeonato, dará uma trégua ao presidente Temer para concluir seu mandato. Em caso de derrota, Temer voltará a mergulhar no inferno astral das investigações sobre suas falcatruas no porto de Santos e outras mais que estão na mira da Polícia Federal e dos promotores do Ministério Público
ّPor: Márcio Metzker, jornalista, vive em Belo Horizonte