Dez. 07, 2017 10:27 UTC
  • A importância de Al-Quds (Jerusalém)

Al-Quds já teve várias embaixadas de países mais próximos de Israel, mas todas acabaram por se mudar para Telavive.

Al-Quds (Jerusalém) é um lugar onde se situam importantes santuários das três religiões monoteístas. Muitas vezes bastaram pequenas disputas para surgir a violência e as mortes. Já era assim antes do estabelecimento do Estado de Israel: em 1929, na Palestina do mandato britânico, uma disputa entre palestinianos e judeus quanto ao acesso ao muro ocidental provocou motins onde morreram centenas de pessoas.

Donald Trump não quer a paz no Médio Oriente. O anúncio de que vai definitivamente mudar a embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém (Al-Quds) equivale ao reconhecimento da capital de Israel. Com este passo arruinou décadas de esforços diplomáticos americanos no Médio Oriente e assumiu o fervor por um dos lados em disputa, enterrando qualquer possibilidade de ser visto como credível pelo outro. Ao fazer a vontade aos israelitas, condenou a possibilidade de ser levado a sério pelos árabes, criando mais rancor e um novo vazio numas negociações que já estavam em coma.

Em Julho deste ano, houve nova onda de violência e enormes protestos depois de Israel ter instalado medidas de segurança à entrada do Pátio das Mesquitas. Em 2000, uma visita do então líder da oposição Ariel Sharon ao Pátio das Mesquitas causou confrontos violentos que cresceram para uma revolta, a segunda Intifada, que durou quatro anos e deixou cerca de mil israelitas e três mil palestinianos mortos. No final do mandato britânico, quando a ONU votou a resolução que dividiu aquela região do Médio Oriente em duas partes, Jerusalém ficou de fora – seria supervisionada por uma entidade internacional.

Com a recusa do plano de partição pelos Estados árabes, na sequência da guerra de 1948 Israel conquistou Jerusalém Ocidental e a Jordânia a parte oriental.

Mas numa nova guerra, em 1967, Israel conquistou e anexou Jerusalém Oriental, onde vivem, sobretudo palestinianos – deixando, no entanto, o controlo e administração do Nobre Santuário (para os muçulmanos) ou Monte do Tempo (para os judeus) a uma comissão islâmica, custeada pela Jordânia.

Do lado exterior do complexo onde está o Nobre Santuário (mesquita Al-Aqsa), o Muro Ocidental é a única réstia do segundo templo, sagrado para os judeus. Este local é controlado por uma fundação que segue regras ortodoxas (as mulheres só podem rezar numa secção própria, por exemplo).

Os judeus podem entrar no Pátio das Mesquitas, mas não estão autorizados a rezar lá. Israel controla o acesso ao Pátio, impondo regularmente restrições à entrada de homens com menos de 50 anos por razões de segurança.

Al-Quds já teve várias embaixadas de países mais próximos de Israel, mas todas acabaram por se mudar para Telavive. Uma mudança da embaixada americana seria um sinal concreto de que os EUA reconhecem de fato a pretensão de Israel a ter em Jerusalém a sua capital (“eterna e indivisível”), ignorando a pretensão dos palestinianos a terem a capital de um futuro Estado em Jerusalém Oriental.

Além disso, a ação seria vista como uma provocação aos muçulmanos em todo o mundo - a Organização para a Cooperação Islâmica, organismo que representa os 57 países muçulmanos, falou mesmo “agressão”.

Ao anunciar unilateralmente esta mudança, Trump inventa uma duplicidade na estrutura de poder israelita: os EUA serão os únicos a colocar a embaixada em Jerusalém e a reconhecê-la como capital do Estado, todos os outros países deverão manter a presença diplomática em Telavive — porque continuam a considerar a parte leste de Jerusalém como capital de um futuro estado palestiniano.

O argumento da capital partilhada seria algo que poderia forçar a vivência conjunta, essencial para o reconhecimento mútuo entre dois vizinhos inimigos que se conhecem demasiado mal. Os acordos de Oslo previam a possibilidade de futura partilha da capital, mas este movimento unilateral americano torna mais difícil esta possibilidade.

Com o gesto acabou por unir as oposições palestinianas tradicionalmente desavindas que concordam em pouco. Desta vez, o anúncio americano teve unânimes condenações da Fatah e do Hamas, bem como da generalidade das nações muçulmanas.

Isto vai retirar os palestinianos da mesa negocial durante meses, talvez anos. Até porque ninguém, a não ser os americanos, tinham peso e credibilidade suficiente para forçar um entendimento entre as partes — a União Europeia não tem sido suficientemente coesa para o fazer e terá outras prioridades na mesa diplomática. Para mais, fazer esta cedência ao Governo israelita de Netanyahu é passar um grande cheque de simpatia a um executivo que tem feito tudo para matar a paz — os israelitas passaram os últimos anos a expandir colonatos, a reduzir a liberdade dos palestinianos e a apostar em dividir o bloco árabe na questão da paz.

Será também nisso que está a apostar Trump, ao forçar uma união entre Israel e a Arábia Saudita contra o Irã — prejudicando definitivamente a paz com a Palestina, que pelos vistos não interessa minimamente à Casa Branca.

 

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