A América Latina na mira de Moscou
Relações deterioradas com o Ocidente levam Rússia a apostar em outras regiões para ampliar esfera de influência. Venezuela, Cuba, Argentina e Brasil são focos de investimentos.
O tapete vermelho foi desenrolado na Rússia, esta semana, para uma série de atuais e antigos líderes latino-americanos. Em Moscou, o presidente Vladimir Putin encontrou o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, nesta quarta-feira. Maduro esteve na capital russa para participar de um evento em que representantes de governos e da indústria discutem o futuro da energia e o papel que a Rússia desempenha nele.
Em São Petersburgo, a ex-presidente Dilma Rousseff discursou num fórum de cooperação entre a Rússia e a América Latina, e o ex-presidente colombiano Ernesto Samper elogiou a importância estratégica da Rússia para a região.
"A Rússia está falando sobre a necessidade de se construir um mundo multipolar", diz o professor de relações internacionais Viktor Kheyfets, da Universidade de São Petersburgo, referindo-se aos esforços de descentralizar o poder global para além de EUA e Europa. "Os países latino-americanos estão fazendo o mesmo. Mas não tenho certeza se as visões de um mundo multipolar são as mesmas."
A Venezuela está se tornando cada vez mais dependente da Rússia, desde que os seus problemas econômicos aumentaram com a queda do preço do petróleo, em 2014. "A Venezuela precisa de toda a ajuda que puder obter", diz o pesquisador Dmitry Rosenthal, do Instituto para América Latina da Academia Russa de Ciências.
"Ajuda russa, ajuda chinesa, ajuda de qualquer país. Só que a China está tentando ser mais moderada em relação à Venezuela. Outros países não estão aptos a ajudar a Venezuela a resolver seus problemas internos", acrescenta, explicando que o país é cada vez mais visto como um risco. "Isso deixa a Rússia como o único país que pode prestar apoio financeiro ao regime de Maduro", diz Rosenthal.
Essa ajuda vem principalmente da empresa de petróleo Rosneft. Só neste ano, a Rosneft já repassou 6 bilhões de dólares à petrolífera Petróleos de Venezuela. O cronograma de reembolso inclui um misto de dinheiro em espécie e de petróleo da Venezuela, país com as maiores reservas do mundo.
Outros países sul-americanos
Não é só na Venezuela que a Rússia está investindo. No início deste ano, a Rosneft começou a explorar petróleo na região amazônica do Brasil depois de comprar uma participação em poços de perfuração na Bacia do Solimões.
E a gigante estatal de energia Gazprom tem cortejado o governo argentino, cogitando a possibilidade de joint ventures na produção de gás natural.
A Rosneft também começou a fornecer petróleo a Cuba, aproveitando-se da demanda que antes era coberta pela Venezuela e provocando acusações de deputados da oposição venezuelana de que a Rússia está se aproveitando da situação precária de seu país.
Mas Kheyfets não é otimista quanto às perspectivas da Rússia em Cuba. "Não tenho tanta certeza de que isso será muito frutífero", diz. "A União Soviética teve um excelente relacionamento com Cuba por décadas. Mas a Rússia abandonou Cuba, e os cubanos se lembram muito bem dos tempos em que tiveram de sobreviver sem qualquer ajuda de Moscou", acrescenta o especialista, aludindo a um período de turbulência econômica em Cuba, na década de 1990, desencadeado pelo colapso da União Soviética.
Postura diferente da americana
Por outro lado, a dependência da Venezuela em relação à Rússia não deverá diminuir em breve. Num discurso em Moscou, nesta quarta-feira, Maduro levantou a possibilidade de restruturamento da dívida com a Rússia, que seu país luta para pagar.
"Vemos que a Venezuela está passando por momentos difíceis", respondeu Putin ao líder venezuelano. Maduro agradeceu ao líder russo "por todo o apoio, tanto político quanto diplomático".
Esse apoio é ainda mais vital depois das sanções impostas à Venezuela pelo presidente Donald Trump. As medidas visam impedir o país sul-americano de obter novos empréstimos de instituições financeiras dos Estados Unidos. As sanções foram uma resposta à decisão de Maduro de criar uma assembleia constituinte, o que críticos descrevem como um esforço para consolidar poder. Já a Rússia, que também está sob sanções internacionais, é menos crítica a respeito de tais ações.
Rosenthal diz que a Rússia está "sem dúvida" interessada na América Latina, por razões tanto políticas como econômicas. "A Rússia acredita que esses governos podem fortalecer sua posição e ajudar na luta geopolítica contra os EUA e outros países ocidentais", afirma.